A Matriz CSD é uma ferramenta que foi criada por nós, Livework Brasil, em 2010. Ela se tornou tão popular que já foi explicada por uma das grandes referências globais de design, o NN/G, duas vezes, assim como explicada e publicada em diversos locais (um dos melhores vídeos* sobre a ferramenta é do suíço Daniele Catalanotto, autor de vários livros da área).
Mas como ela foi criada, para que serve e como funciona? Você acaba de chegar à fonte, e é isso que vamos te contar nesse texto.
Parte 1 – Origem
A Matriz CSD surgiu da necessidade de transmitir um senso de organização no momento da coleta inicial de informações a respeito de um projeto, principalmente em reuniões com clientes. Inicialmente, tentamos usar uma adaptação da “Janela de Johari”, uma matriz 2×2 que mostra o que sabemos e não sabemos (em um eixo) e o que os outros sabem e não sabem (no outro eixo). Naquele tempo, considerávamos como “nós” a organização, e como “eles” os clientes. No entanto, ao chegar no quadrante que indicava o que clientes e a organização “não sabem”, a discussão empacava. Foi o que nos levou a buscar uma maneira mais simples de reunir o que sabíamos e não sabíamos a respeito do desafio em questão.
Então, para simplificar, criamos um quadro com dois campos: certezas e dúvidas. A ideia era posicionar a informação com o que estávamos seguros e o que precisaríamos descobrir. Novamente, percebemos que as discussões estavam empacando toda vez que alguém declarava uma “certeza”, e outra pessoa a questionava. Assim, para evitar que as discussões ficassem presas neste lugar, criamos o campo das “suposições”. Chegávamos à Matriz CSD no formato que existe até hoje.
A escolha do nome veio na pressa, pois preparávamos um workshop para o mesmo dia. Decidimos ir com o mais óbvio, “Matriz” seguida das iniciais dos campos, “ CSD”. E, por mais que as matrizes utilizadas em projetos normalmente sejam 2×2, esta também é uma matriz, só que 1×3 (pois possui 1 linha e 3 colunas). Pensamos que poderia gerar confusão, e ser questionada, mas como um dos criadores, o Luis, é engenheiro, fomos confiantes com o nome, que nunca foi questionado.
Parte 2 – Popularização
Como utilizávamos a matriz em todos os nossos projetos, percebemos rapidamente o seu valor para apoiar as discussões iniciais com clientes. Foi assim que ela se tornou uma parte central de nosso curso de Design Thinking da ESPM, o primeiro curso da América Latina sobre o assunto, que teve mais de 1.000 alunos nos 10 anos em que esteve ativo.
Como muitas pessoas que hoje estão em posições de liderança no mercado, e foram pioneiras na aplicação do Design Thinking, passaram por esse curso, elas também adotaram a ferramenta em seus projetos. Muitas dessas pessoas, inclusive, se tornaram professoras em outros lugares, o que permitiu a popularização da ferramenta.
Além disso, a ferramenta é apresentada no livro Design Thinking Brasil, publicado em 2011 como o primeiro livro sobre o assunto escrito no nosso país, e que se tornou rapidamente um best seller e já superou a marca de 15 mil cópias vendidas.
Assim, por sua simplicidade, e pela inexistência de outra ferramenta tão eficaz para usar no início de projetos, ela se tornou onipresente em projetos e cursos de Inovação e Design.
Parte 3 – Para que serve?
A força da Matriz CSD está em reunir em um só lugar informações relevantes sobre o projeto, promovendo alinhamento entre integrantes da equipe (e eventualmente stakeholders). A ferramenta nos permite visualizar rapidamente as informações mais importantes e úteis que já temos ou gostaríamos de ter para chegar à solução ideal a um desafio.
Assim, trata-se de um apoio importante para facilitar a externalização da informação, um objetivo sempre importante em processos colaborativos. A ideia é que todas as pessoas consigam descarregar o seu conhecimento (e o que acham que falta) a algum lugar para que as outras pessoas também possam ver, tornando a informação disponível para além de seus cérebros ou cadernos pessoais de anotações. Desta maneira, a colaboração flui.
De fato, por mais que a Matriz CSD seja muito útil no começo de um projeto, ela pode e deve permanecer ativa durante toda a sua duração, sendo constantemente revisada e atualizada (como veremos a seguir).
Parte 4 – Como usar?
O objetivo é tentar colocar na matriz toda informação que possa ser relevante para a realização do projeto, e posicioná-las em um dos três campos: certezas, suposições ou dúvidas. Se for algo que já sabemos com confiança, vai em “ certezas”, se for algo que acreditamos mas ainda precisa ser validado, colocamos em “ suposições”, e se for algo que seria interessante saber, colocamos em “dúvidas”.
Coloque informações relevantes para o projeto
Não há um limite de informações ou categorias específicas a serem exploradas, isso varia de acordo ao tema do projeto. Exatamente por esse motivo que não gostamos de listas de perguntas que sirvam como referência para o que deve constar na Matriz. No entanto, é sempre importante tentar incluir informações a respeito das pessoas que serão beneficiadas pela solução, sobre a organização por trás da demanda, e sobre o contexto mais amplo.
Sobre os beneficiados do projeto, considere informações que lhe permitam ter visibilidade de quem são estas pessoas, como podem ser divididas em grupos (tipologias), pelo que estão passando, e como percebem a situação atual. Já sobre a organização, considere as motivações para realizar o projeto (incluindo números relevantes) e informações relacionadas à operação atual. Sobre o contexto, considere o mapa competitivo (não limitado a concorrentes diretos), tecnologias (atuais e emergentes), empresas que possam servir como inspiração (mesmo que de outros setores) e tendências comportamentais que podem impactar o contexto, entre outros.
Importante no começo, mas útil durante todo o projeto
Agora que você já sabe que tipo de informação cabe na matriz (quase qualquer), é importante que entenda como ela evolui com o passar do tempo. Apesar de ser, certamente, mais relevante no início de um projeto, pois nos ajuda a mapear o que temos de informação e o que gostaríamos de obter, a Matriz CSD pode ser utilizada do começo ao fim dele.
A primeira versão da Matriz costuma ser produzida apenas pela equipe central do projeto (por quem vai colocar a mão na massa) ou na reunião inaugural de projeto (kick-off) junto com stakeholders importantes.
Após essa primeira visualização, a equipe pode priorizar o que deve ser verificado (para o caso de suposições) ou descoberto (no caso das dúvidas), como fazer isso e em que ordem. Ou seja, a matriz norteia a definição da estratégia de pesquisa primária ou secundária que costuma acontecer em sua sequência.
A partir desse ponto, a ferramenta se torna um documento vivo, que pode receber novas informações e reposicionar as que já estão lá (tornando dúvidas e suposições em certezas). Quanto mais próximo do final do projeto, é natural que a CSD se torne menos relevante.
Paredes reais ou virtuais, tanto faz
Originalmente toda Matriz CSD era pendurada em uma parede para que o trabalho fosse em equipe. Hoje em dia, no entanto, cada vez mais ela é trabalhada em ambientes virtuais de colaboração. O formato não é o mais relevante, mas sim que toda informação relevante para o projeto esteja nela.
Coloque informações únicas e completas
Na hora de registrar cada informação, procure registrar as notas adesivas (post-its), mesmo que virtuais, da maneira adequada. O valor destas notas é a facilidade de movimentá-las mas, para isso, as pessoas precisam entender o que está escrito (informação completa), e serem únicas (não pode ter mais de uma informação por nota). Por exemplo, em vez de registrar que o “check-in é lento e difícil”, queremos evitar registrar apenas “lento” e “complicado”, mas ter em duas notas “check-in é lento (média X minutos)” e “X% das pessoas percebem o check-in como difícil”, por exemplo.
Não existem informações erradas para a matriz
Deixe todos à vontade para escrever, de forma sucinta, as impressões que já têm sobre o assunto, enfatizando que neste momento não estamos procurando informações profundas ou muito técnicas, mas sim, mapear todo o conhecimento que existe ou precisa ser descoberto para a realização do projeto. E, nesse sentido, não existe certo ou errado.
Ao moderar, se prepare e forneça exemplos práticos
Para engajar os participantes e deixá-los mais à vontade durante a atividade, realize você mesmo um exemplo muito simples de como deverão preencher os post-its e os benefícios que eles trarão para o entendimento inicial. Se possível, prepare com antecedência e enfatize que a Matriz CSD permite que todos possam alterar as informações a qualquer momento.
Preencha até sentir que está fluindo bem
O preenchimento da Matriz CSD também pode funcionar como um bom ‘quebra gelo’ inicial em projetos. Por isso, mais importante que o aprofundamento, é essencial que a dinâmica não pareça cansativa e que o entendimento de todos seja imediato (gamificação). Sabemos que muitas reuniões demandam planejamento de tempo mas, em nossa experiência, o tempo que leva preencher uma Matriz CSD depende muito das pessoas que a preencherão, do que conhecimento que possuem sobre o contexto, e da complexidade do desafio. Uma boa sessão, normalmente, não leva menos do que 20 minutos, mas não mais do que 1 hora.
Tente colocar a maior quantidade de informação possível
O objetivo no momento inicial de preenchimento da Matriz CSD é cobrir muito terreno. Por isso, estimule os participantes com perguntas, e evite entrar em discussões que o deixe preso por muito tempo em uma única informação. O campo “suposições” existe exatamente para destravar conversas. Se alguém tem certeza de algo, mas outra pessoa está questionando a informação, coloque em suposições e siga em frente.
Use um template para ter mais consistência
Por ser uma ferramenta que acomoda quase qualquer informação, ter um documento impresso ajuda a dar mais conforto a participantes que não estão acostumados a seu uso. Essa estrutura, já impressa (ou em ferramenta digital), mostra que a dinâmica de preenchimento não está acontecendo no improviso. Se quiser, baixe o nosso template aqui.
Não se preocupe com a ordem
Por mais que muitas pessoas recomendem que a matriz seja preenchida em ordem, a ideia é que ela sirva apenas como um suporte visual para as discussões que acontecem durante uma reunião de trabalho. Dessa forma, é mais fácil e natural que os temas que se apresentam na discussão gerem certezas, suposições e dúvidas. Tentar fazer primeiro certezas, depois suposições, e depois dúvidas pode fazer com que informações sejam perdidas.
Utilize a matriz para definir os próximos passos
Após realizar uma sessão com a Matriz CSD, procure organizá-la por temas para identificar o que você precisa descobrir a respeito do projeto e como vai fazer isso. Algumas dúvidas ou suposições, por exemplo, podem ser verificadas com uma pesquisa na internet (desk-research), enquanto outras informações demandarão conversar com stakeholders da organização ou observar pessoas que irão se beneficiar da solução, por exemplo.
Mantenha a matriz presente durante o projeto
Como já citado anteriormente, a Matriz é muito relevante no começo do projeto, mas seu maior valor está em servir como um suporte visual contínuo sobre o conhecimento do projeto. À medida que novas frentes são abertas, são usados novos artefatos para visualizar conhecimento relevante, como jornadas, tipologias, e mapas de oportunidades. Mesmo assim, existe um valor em sempre retornar à Matriz CSD para ver como as certezas do início de um trabalho vão mudando e o quanto a equipe aprendeu sobre o contexto do desafio.
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A Matriz CSD se consolidou como uma ferramenta essencial para organizar informações e facilitar a colaboração em projetos, especialmente nas fases iniciais, mas também ao longo de todo o processo. Sua simplicidade e flexibilidade permitem que ela seja amplamente utilizada, seja em reuniões presenciais ou virtuais, promovendo o alinhamento e a clareza entre todos os envolvidos.
Ao proporcionar um espaço para mapear certezas, suposições e dúvidas, a matriz facilita a definição de estratégias e o avanço dos projetos de maneira organizada e visualmente acessível. Continuar utilizando e revisitando a Matriz CSD ao longo do projeto garante que o conhecimento se atualize conforme a equipe avança e aprende, tornando-a uma ferramenta viva e dinâmica até a conclusão do trabalho.
Se você chegou aqui, esperamos que coloque em prática e tenha sucesso utilizando a Matriz CSD. E não esqueça de compartilhar o que achou dessa ferramenta 100% brasileira que ganhou o mundo.
Fundador da Livework no Brasil, membro do júri do Service Design Award e autor do livro Design Thinking Brasil, é criador do primeiro curso sobre o assunto da América Latina, na ESPM. Engenheiro de Produção e Sistemas pela UDESC e Designer de Produto pela UNIVILLE, possui um Master em Design Management pelo Istituto Europeo di Design na Espanha.